segunda-feira, 6 de julho de 2015

A mulher real está indignada!



Vamos lá ver, eu sou muito a favor da indignação, acho que faz bem uma pessoa indignar-se de vez em quando, até porque é óptimo para aumentar as cargas no ginásio, mas há aí uma corrente mais recente de indignação que me anda a deixar indignada!

Alguns anos de Photoshop e umas quantas mortes devidas a distúrbios alimentares mais tarde, começámos a ver alguma indignação da parte, principalmente mas não só, das mulheres contra a pressão exercida pelos media para que respeitássemos um estereótipo estético que não é acessível à maioria (então para nós, portuguesas, que somos tendencialmente baixinhas, o dito estereótipo tem umas pernas quase da nossa altura...).
Até aqui tudo bem, acho que sim, que devemos tentar proteger as nossas filhas de serem escravas de um processo tortuoso em busca de uma imagem irreal, inatingível e nada saudável, na maioria dos casos. Ainda assim, custa-me engolir que os media tenham mais peso do que o que é transmitido pelos pais, mas não sou mãe, não tive de lidar com esse tipo de problemas e tenho o feeling que deve ser difícil, senão mesmo incontrolável.

Sou muito a favor das campanhas que mostram “a mulher real”, que permitem que vejamos que cada mulher é única, pode ter mais ou menos peso, pode ter sardas, celulite e não é escrava do 86-60-86 nem é um clone que vai aparecendo com maquilhagem diferente.
PORÉM, há que ver o enquadramento da coisa... Para vender roupa, cremes, produtos de maquilhagem, tampões e qualquer outro produto cuja utilização não esteja directamente dependente do estereótipo, poderiam e deveriam ser utilizadas muito mais vezes mulheres que demonstrem a variedade que existe no mundo real... Mas e se o produto vendido for directamente orientado para que se atinjam determinados objectivos estéticos?
A campanha da Protein Word que gerou revolta com o cartaz mostrado abaixo já não me choca tanto...
Pura e simplesmente porque o que está a ser publicitado, como se pode ver no cartaz, são precisamente produtos para a perda de peso... Ora convenhamos que colocar uma pessoa com excesso de peso no cartaz deveria ir contra todas as regras de marketing que alguma vez existiram, certo? Desculpem-me o grafismo, mas era a mesma coisa que nos anúncio da tampax mostrarem uma rapariga com o bikini sujo.
Claro que é questionável o uso da frase, e até foi em parte nisso que se baseou a campanha de revolta, em mostrar que o “beach body” é aquele que tens quando vais para a praia e não aquele que alguém quer fazer acreditar que é o “certo”, mas ainda assim, vejo com muito piores olhos os cartazes do El Corte Inglés ou da Calzedonia que mostram roupa que só assenta daquela maneira a uma percentagem ínfima da população e que fazem a lavagem cerebral de forma muito mais subtil (e perigosa) do que os de uma companhia de suplementos que estão a mostrar uma determinada imagem como suposto resultado directo do uso dos seus produtos. E pronto, com meio cérebro a funcionar, já todos sabemos que a primavera é a altura em que somos bombardeados com as campanhas dos produtos milagrosos, porque é muita chato ir ao ginásio e fazer dieta o ano todo e entretanto o Verão está aí a chegar! É a altura certa para vender a banha da cobra!
Ainda assim, gostei de alguns dos resultados da “contra-campanha”, foram criados cartazes bem engraçados com mulheres que mostram OS SEUS beach bodies, mesmo não estando estes de acordo com o que, supostamente, seria aceite :)

E por fim, surge a indignação que mais me indigna, que não sei se é recente ou se eu é que só dei por ela agora, que é a indignação do pessoal fit/magro contra a indignação dos indignados com os media que nos enchem de complexos de inferioridade (se deixarmos que o façam)... Passo a explicar.
Estou nalguns grupos relacionados com o fitness no Facebook e sigo algumas páginas e Twitters sobre assuntos relacionados e ultimamente, cada vez que aparece uma campanha em que se mostram mulheres que não encaixam nos estereótipos como esta toda a gente se vai aos arames e fica super ofendida porque supostamente, para defender que a mulher real não se encaixa neste estereótipo, estão a “mandar a baixo” as mulheres que encaixam e a promover uma imagem “pouco saudável”... Eu fico parva com isto...

1)      Se as mulheres que se encaixam no estereótipo se estão a sentir ofendidas com uma minoria quase insignificante de campanhas que mostram outro tipo de corpo, como acham que todas as outras mulheres se sentem há ANOS a serem CONSTANTEMENTE BOMBARDEADAS com a imagem, para muitas inatingível, da “mulher perfeita”??? Eu não sou a favor que se usem frases tipo “A mulher real tem curvas” e tretas do estilo... A mulher real tem o que tem, e se não tem curvas não deixa de ser real por isso, mas por favor... Nós, que não nos encaixamos na mulher ideal, aguentamos anos dessa merda em massa e agora quem se encaixa (ou os rebarbados que acham que os catálogos de roupa interior são direccionados a eles e não às mulheres que querem comprar roupa interior) está muito ofendido porque há meia dúzia de campanhas quase underground, tirando as da Dove e mais uma ou outra, que mostram uma coisa diferente e mais próxima da maioria (até porque não se centram só numa coisa, mas mostram várias)??? Poupem-me...

      2)      Pouco saudável? Porque a imagem normalmente apresentada é de gente mega saudável? Porque mostrar saúde é o objectivo das campanhas da Victoria Secret? Ó pá, menos... Onde é que estão as análises e os exames médicos, para vermos se a menina de 1.80m e 48Kg é mais saudável que a de 1.60 e 70Kg? Não há? Então não estamos a falar de saúde, desculpem lá! “Olha as nossas modelos com os triglicéridos tão baixos!”, “De facto, gostava de ter a glicemia em jejum desta rapariga...”... Certo...

E pronto, era isto... Já deitei cá para fora a minha indignação contra a indignação dos que se indignam com a indignação dos outros... Oh the irony!